Horizontina,
onze de abril de 2048.
Fernando acordara antes
de Paloma e resolveu comer alguma coisa antes de seguir para a prefeitura. As
costelas ainda doíam, mas agora a dor havia se tornando suportável.
Como de costume
vestiu-se preparado para mais um dia burocrático na prefeitura. Pedidos para
pegar uma arma no arsenal, um cavalo para realizar uma viagem ou aumento da
ração alimentar, eram os pedidos mais comuns. Embora ninguém passasse fome era
costume do prefeito controlar a maior parte dos bens alimentícios produzidos.
Antes de sair de casa
pegou sua boina preta e um sobretudo preto. Um dia e tanto o esperava.
Os portões haviam acabado
de serem abertos. Pessoas saiam para mais um dia de trabalho nos campos
próximos. Fernando conhecia praticamente todas as pessoas que moravam em
Horizontina. Algumas pessoas o
cumprimentaram enquanto seguiam o seu rumo. A prefeitura estava a poucos
metros.
Parou um pouco antes
chegar à prefeitura e olhou em todas as regiões. O sol timidamente aparecia entre as brechas das nuvens. Sons de latidos, conversas
chegavam a abafar o som do vento que estava surpreendentemente fraco hoje. De longe avistava
duas pessoas terminando de ajustar as três turbinas eólicas. Se tudo desse
certo, essas três turbinas juntamente com mais alguns painéis solares instalados pela cidade,
conseguiriam gerar energia para todos.
Foto antiga
da Prefeitura Municipal de Horizontina
A prefeitura era uma das
construções mais preservadas da cidade. Era uma grande estrutura de dois andares,
com diversas salas, onde as decisões da cidade eram tomadas. Na frente da entrada
principal da prefeitura, algumas pessoas esperavam para serem atendidas.
Entrando pela porta principal, percebeu um clima diferente do normal. A agitação dentro da
prefeitura era incomum. As pessoas que trabalhavam na administração da cidade
estavam andando de um lado para outro, alguns não escondiam um semblante de felicidade.
-Fernando!-
Disse alegremente
uma voz atrás dele. Era sua irmã. Beatriz tinha indo visitar seu irmão nos dias
que ele ficou de repouso, comunicando tudo o que tinha acontecido de diferente
na cidade. Mas esse movimento, essa felicidade não era comum. Algo tinha acontecido.
-O que está acontecendo
aqui?- Perguntou Fernando.
-Simplesmente tudo! Não
vou te contar nada agora, o prefeito quer ter ver. -
Fernando simplesmente respirou fundo intrigado com tantas coisas acontecendo em pouco. Essa agitação toda, essa felicidade não era comum nesses tempos.
Enquanto Fernando subia
penosamente os degraus da escada, parou no meio do caminho e olhou novamente para
baixo. Beatriz continuava olhando para ele, com um grande sorriso. Embora ela
estando vestida com seu uniforme, seu rosto esboçava em certo ponto uma alegria
juvenil, algo que não via há tempos.
O penúltimo degrau da escada rangeu. Embora a prefeitura parece-se sólida por fora, sua estrutura dentro necessitava de muitas reformas. Subindo a escadaria e parou novamente para respirar. Suas costelas martelavam conforme ele respirava, tirando a boina para passar a mão pela testa para limpar o suor, visualizou
mais agitação no segundo andar. Numa sala entreaberta Fernando visualizou Carlos
mexendo no radio. Não era uma manutenção de rotina. Ele conseguira contanto com
alguém. A sala era um mar fios, microfones e aparelhos de rádios conectados em
varias estações de banda e frequência. Tudo parecia lentamente se encaixar, mas a pergunta que ficara era: Com quem?
-Com quem teriam tido contato? Alguma base militar? O Governo?-. Eram tantas perguntas que vinham ao mesmo, que qualquer cogitação era válida.
Carlos estava com um
fone de ouvido e em suas mãos um caderno onde fazia anotações, provavelmente
informações repassadas por quem estava do outro lado. Fernando ficou intrigado
e entusiasmado com as possibilidades, mas antes que pudesse perguntar algo para
Carlos, uma voz chamou pelo seu nome. Era o prefeito lhe chamando.
Fernando entrou onde
ficava o gabinete do prefeito.
-Estou aqui prefeito!-
Disse Fernando enquanto fechava a porta.
-Você sabe que pode chamar
só de Humberto. Como anda essas costas?-
- Não foi dessa vez que acabam comigo chefe.-
Humberto cumprimentou Fernando com um aperto
de mão.
–Temos muitas coisas para resolver em pouco tempo. –
Enquanto o prefeito
servia dois copos com um pouco de uísque, ele dizia:
-Como de costume, Carlos
ligou o radio para ver se havia algo de novo na nossa região. Havia um sinal
interferindo nossa comunicação com Três de Maio. Mexendo um pouco, Carlos
conseguiu entrar em contato com esse sinal.-
Humberto tomou mais um
gole de seu uísque. Colocando o copo na sua escrivaninha, continuou:
-Conseguimos contato
com um pequeno regimento de cavalaria estacionado próximo a Carazinho. Estão
sob ordens do Governo Provisório Rio-Grandense com sede em Piratini. Eles estão
vindo para cá!-
-Isto é maravilhoso!
Entendo agora toda essa animação... - Tod a a agitação voltou em sua mente. O mundo parecia mais vivo do que nunca agora. -Se parte do exercito e do governo sobreviveram na região quem dirá no resto do Brasil e no mundo?-
Fernando e Humberto
brindaram em silencio, enquanto Fernando tomava um gole, Humberto colocava sobre
a mesa um velho mapa rodoviário do Rio Grande do Sul e marcou com dois alfinetes
a cidade de Horizontina e Carazinho.
-Eles irão chegar entre
uma ou duas semanas. O importante agora é a continuidade da nossa história, como povo e nação. Esses dez anos nos destruiu, mas das cinzas.... das cinzas.... um novo povo, ainda mais forte vai surgir. -
Enquanto apontava para a localização de Carazinho no mapa,
o prefeito continuou.
- O Governo está mapeando localidades e a população para
melhor reconstruir e administrar o Estado.-
-Já comuniquei o seu pai
para que ele organize o hotel pare recebermos nossos visitantes ilustres.
Recomendo que você termine de organizar o seu escritório e os arquivos com os dados
da cidade. -
Enquanto Fernando saia
da sala do prefeito, todas as luzes da prefeitura ligaram. Palmas e gritos de
felicidade se espalharam pelo local. Hoje era o começo de um novo dia para a cidade.
Os velhos tempos voltaram de certa forma na mente de Fernando.
(Capítulo 5: Os Novos Velhos Tempos - Parte 1-)
(Capítulo 5: Os Novos Velhos Tempos - Parte 1-)
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