domingo, 29 de março de 2015

Capítulo 1: Dez Minutos -Parte Um-

Reunião Familiar.

Horizontina, dez de janeiro de 2038.

Fernando tinha deixado de acreditar em Deus fazia muito tempo. Desde os tempos que suas obrigações como um sujeito criado na religião católica foram cumpridas, largou as idas às missas ao domingo e de contribuir com o dízimo.
Mas nesses tempos em que o fim chegaria a menos de 10 minutos, resolveu rezar com sua família ao redor da mesa da sala de jantar enquanto na televisão uma música suave tocava e um cronômetro, agora, marcava um pouco mais de nove minutos.
A música que tocava suavemente poderia ser de Beethoven, Strauss, ou Bach. Isso não importava nesse momento. O momento agora seria para perdoar seus familiares, os seus próprios erros e quem sabe ser perdoado por alguma divindade que talvez exista e que comandava o ritmo do Cosmos.
O apresentador na televisão que estava olhando para as câmeras no estúdio estivera nos últimos cinco minutos calado, como a maioria das pessoas ao redor do mundo. Dos grandes centros urbanos aos vilarejos rurais, todos estavam em casa reunidos com seus entes queridos para a despedida.

-Talvez seja um blefe da Organização Internacional pela Nova Ordem Mundial (...) -dizia o apresentador de sessenta e poucos anos que acompanhou décadas atrás a queda do Muro de Berlim e o Fim da União Soviética, quando era um repórter estreante no mundo do jornalismo. Sua naturalidade sempre jovial e sorridente que cativou o público no seu telejornal fora substituído por um rosto pálido e sem suas expressões marcantes.

- (...) desde que o grupo destruiu parte de Miami com um pequeno artefato nuclear, que segundo eles foi roubado de um dos grandes arsenais nucleares espalhados pelo mundo, a população mundial ficou apreensiva...-

-Dez de janeiro, às 19 horas de Greenwich (...).-

E então a televisão foi colocada no mudo. A mãe de Fernando era uma das únicas pessoas no Brasil que deveria detestar o apresentador do telejornal.

-Cansei desse velhaco.-

E o cronômetro marcava cinco minutos.
Amélia era uma orgulhosa mãe que conseguiu quase todos os seus objetivos de vida. Casou-se com João Henrique que foi seu primeiro grande amor na juventude e teve um casal de filhos. Fernando era o mais novo e recém-formado da faculdade de história com seus vinte e três anos e sua irmã Beatriz com vinte e cinco anos que já era formada em administração e cursava pedagogia. Com seus cabelos escuros, olhos castanhos e 48 anos, Amélia estava distraída olhando para fotos dos seus filhos quando eram crianças e lamentava o dia de hoje.

-Se vocês tivessem mais tempo...-

Enquanto Amélia olhava com ternura para os filhos, João Henrique voltava da cozinha com quatro copos e uma garrafa de uísque doze anos.

-Era para tomarmos numa ocasião especial esse uísque, mas em vista das circunstâncias...-

João Henrique sempre fora um dedicado pai e um crente crédulo em teorias da conspiração. Desde que o OIPNOM, anunciou que praticaria um ataque nuclear massivo por todo o planeta, ele não dormiu sossegado. Tirou férias do trabalho e durante um mês leu tudo o que podia sobre física nuclear, bombas atômicas e todo um sem número de publicações e artigos sobre pseudociência e movimento New Age.
JH como seus amigos íntimos o chamavam, quando não estava preocupado com teorias de conspiração, ele produzia cervejas artesanais como forma de relaxar e aguentar o dia. Fazia anos que seu farto cabelo havia se reduzido para uma calvície generalizada, algo típico para os homens acima de 50 anos, embora ainda não tivesse chegado aos 50.
E o cronômetro marcava 2 minutos.

-Esse é um brinde a humanidade, que finalmente conseguiu se destruir!- Brindava JH com seu sarcasmo habitual.

Depois de todos tomarem a dose servida por JH, Amélia percebeu que o apresentador havia ficado em silêncio novamente e tirou a televisão do mundo. A música estava lá ainda, tocando calmamente.

-Pai, você acha que nossa cidade vai ser atingida? -Perguntava Beatriz, prestes a chorar na frente da família.

- Sinceramente? Talvez sim, talvez não. Se não fomos atingidos em cheio por uma dessas bombas, provavelmente o inverno nuclear irá nos liquidar. Entre sofrer os efeitos de um inverno de secas, fome e tragédia, eu sinceramente preferiria morrer instantaneamente pelas bombas.-
JH enchia novamente seu copo com uísque novamente e oferecia a bebida para seu filho que esteve calado nos últimos minutos.

-Fernando você está muito calado. Não adianta se remoer agora pelo o que você já fez ou o que não fez. Tome mais um pouco dessa bebida, vai ajudar você a ficar relaxado. -

E faltava agora menos de um minuto...

(-> Capítulo 1: Dez Minutos -Parte Dois)

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